proletariado a duas vozes, isso

não, preferia que fosses mais para aquele lado, qual?, opá mexe-te!, bem, já não estou a gostar nada disto, mas quê coisa pá, não sabes que temos um horário a cumprir? meu, sei, mas se continuares a implicar não vamos a lado nenhum, não vamos a lado nenhum contigo a não cooperar é o que eu acho, tenta acalmar as ideias e pensa comigo, rápido, diz lá, se olharmos bem para aquele ponto ali, vemos que esta não é a inclinação correcta, de todo, opá às tantas tens razão, mas podíamos experimentar da maneira que eu disse, não perdemos nada, se trabalharmos bem a seguir nem ficamos atrasados, será?, é é, vamos lá, põe-te mais paquele lado, continuo a achar que não pode ser assim, mas pronto, aqui está bem? mais para a esquerda, assim? mais um nadinha, ok tá bom, marca lá agora, isso, vamos ver se ficou então, já posso ligar? liga, ligo mesmo? liga, não acho que esteja bem, como é óbvio o que eu digo está sempre mal, não se trata disso, és sempre a mesma coisa, diz então meu sabichão, é assim, pela direita, e só depois inclinas num ângulo mais fechado, que ridículo, não vai dar, não vai dar é a tua mania de implicar, caramba siga lá fazer assim então, boa, vá lá que dizes alguma coisa de jeito, não, não dissemos absolutamente nada de jeito.

ardem-me os dias dos meses da saudade
que se colam ao chão sem avançar
no tempo do mundo de todos

choram assim ao relento das noites lentas
todas as memórias doentes de ti que são
assim chorando, pseudónimas da saudade

anseiam as horas já gastas de sempre nos
dias iguais a todos nos dias bonitos que são
assim por te terem a ti, a mim, e a ti e a mim juntos

já é quase de dia, alvorada suave
aqui dentro é escuro porque as cortinas se fecham e nada deixam ver.

(vejo-te a ti porque te sei de cor. ouço o teu respirar como se fosse o meu.)