Wednesday, April 11, 2007

A Cor dos Anjos

Já há um ano que corro todos os dias de manhã, antes de ir para o trabalho. Acordo cedo, 6 e meia, às vezes levo o teu velho Labrador para me fazer companhia. Mas ele já não tem vontade. Costuma agora deitar-se sempre a um canto, ao lado da poltrona onde gostavas de te sentar, orelhas caídas e expressão triste. E mesmo eu que pensava ser forte e aguentar com estas situações, mesmo eu não sei como reagir quando vou a casa dos nossos amigos, porque nunca soube que lembrança havia de levar, eras tu que compravas coisas bonitas para as casas deles. Agora entro cabisbaixo, flores secas na mão, sem a natural alegria que emanavas naturalmente. Eles parecem ter pena de mim, parece que não querem demonstrar isso, mas é o que eu percebo. Já no outro dia, numa das nossas reuniões, uma antiga amiga tua veio sentar-se ao pé de mim e, sem abrir a boca, pôs uma mão no meu ombro, esboçou um sorriso, e tão silenciosamente como tinha chegado, levantou-se e voltou para a festa.
Tento sempre caminhar de cabeça levantada, rir e dizer as minhas piadas características quando me encontro com eles. Mas as sextas feiras já não são a mesma coisa sem a tua presença. Eras o centro das atenções, sempre foste, já desde criança, facto esse que os teus pais sempre gostaram de me recordar. Nessas alturas sorrio, e penso muito em ti, converso com os teus pais sobre como tu eras, mas eles parecem já ter deixado a tua memória em paz. Só eu e o teu cão ainda sentimos a tua falta.
Lembro-me que dizías que gostavas de ver o mundo comigo, que todas as viagens seriam perfeitas na minha companhia, pedaços às vezes exagerados de fantasias tuas, e realmente, se há uma coisa que sempre se diz, é que tinhas uma imaginação fantástica, e eu acenava em concordância, ria-me contigo, e olhavamo-nos intensamente antes de apagar as luzes para nos amarmos em silêncio.
Ja passou um ano desde que tiveste aquele acidente.
E depois de tanto tempo, enquanto corro de manhã, ainda penso como serão os anjos que vivem contigo, nesse sítio sereno onde param as almas dos corpos frios que nos deixaram.

1 Comments:

Blogger Leonor Talvez said...

puseste me a chorar, outra vez

3:34 PM  

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